Transmissão Mãe-Filho Da Infeção Pelo Vírus Da Imunodeficiência Humana Do Tipo1
Transmissão Mãe-Filho Da Infeção Pelo Vírus Da Imunodeficiência Humana Do Tipo1
Transmissão Mãe-Filho Da Infeção Pelo Vírus Da Imunodeficiência Humana Do Tipo1
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RESUMO
Introduo: A infeo pelo Vrus da Imunodeficincia Humana do tipo 1 (VIH1) na criana ocorre quase exclusivamente
por transmisso me-filho (TMF). Sem profilaxia ocorrem taxas
de transmisso de 15-25%, diminuindo para <2% quando so
adotadas medidas adequadas.
Objetivo: Avaliar a TMF da infeo VIH numa maternidade.
Material e Mtodos: Estudo retrospetivo, com consulta do
processo clnico, de crianas de mes com infeo VIH1, nascidas na Maternidade Jlio Dinis de Janeiro de 2006 a Dezembro
de 2011. Definida no infeo se 2 testes virolgicos negativos
(um aps os 4 meses) e ausncia de clnica. Anlise estatstica
programa Epi-Info v.3.5.1 (Teste Fisher, p <0,05).
Resultados: Nasceram 77 crianas com risco de transmisso VIH1, 45 do sexo masculino (58.4%) e 15 (19.5%) prematuros. Diagnstico de infeo materna ocorreu na gestao em
24 (31.6%) e no parto numa (1.3%). Sete (9.2%) no efetuaram
teraputica anti retrovrica (TARV) na gravidez e 9 (12.3%) apresentavam carga vrica >1.000 cpias no parto. Nasceram por
parto eutcico 4 (5.2%) e 10 (13%) tiveram rotura membranas
(RM) 4h. Nenhum efetuou leite materno e todos fizeram profilaxia no perodo neonatal; 17 (22.1%) efetuaram profilaxia com
3 frmacos, associado a ausncia de TARV na gravidez e parto,
carga vrica materna >1.000 cpias, RM4h, RM espontnea e
prematuridade. Um recm-nascido (1.3%) faleceu. Nenhuma
criana foi infetada. Cerca de um tero (35.5%) apresentou alteraes hematolgicas e 23 (30.3%) na funo heptica, ambas
reversveis.
Concluso: Na populao estudada no ocorreu TMF da infeo VIH1, apesar de apresentar fatores que aumentam o risco
de transmisso numa elevada percentagem de casos.
Palavras-chave: Antirretrovrico, infeo VIH, preveno,
transmisso me-filho.
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revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2014, vol XXIII, n. 2
INTRODUO
A maioria dos casos de infeo pelo Vrus da Imunodeficincia Humana (VIH) em idade peditrica devida transmisso
me-filho (TMF) do vrus(1). O conhecimento dessa realidade levou investigao dos fatores que pudessem estar associados
a um aumento do risco da TMF da infeo VIH(2) com a consequente elaborao de orientaes clnicas ao longo dos ltimos
anos para a preveno desta(3). Estes factos determinaram uma
mudana radical na epidemiologia da TMF da infeo VIH(3).
virtualmente impossvel determinar com preciso o perodo em que ocorre a TMF(2), estimando-se que em cerca de 23%
dos casos intrauterina, em cerca de 65% adquirida no perodo periparto e em cerca de 12% transmitida pelo leite materno. A taxa de transmisso global sem antirretrovirais (ARV) de
20-30%, atingindo 63% em grvidas com carga vrica superior a
100.000 cpias/ml(4). O estudo do Paediatric AIDS Clinical Trials
Group (PACTGO76) demonstrou que o uso de profilaxia com Zidovudina (AZT) no preparto, intraparto e no recm-nascido (RN)
reduz a taxa de transmisso para cerca de um tero(5). A associao com teraputica anti retrovrica altamente eficaz (HAART)
durante a gestao, cesariana eletiva e excluso do aleitamento
materno permite diminuir as taxas de transmisso para valores
inferiores a 2%(4). Os fatores associados ao aumento do risco de
TMF do VIH esto descritos na Tabela 1.
Idealmente, o diagnstico da infeo VIH1 deve ser pr-concecional. No ocorrendo nessa fase, torna-se fundamental
durante a gestao a realizao do rastreio universal para a
identificao das grvidas infetadas. necessrio um diagns-
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MATERIAL E MTODOS
Foi realizado um estudo descritivo-analtico retrospetivo,
tendo sido includos os filhos de mes infetadas pelo VIH1, que
nasceram na MJD entre Janeiro de 2006 e Dezembro de 2011.
A informao foi recolhida por consulta do processo clnico das
crianas e das mes. Foram analisados dados sociodemogrficos, fatores de risco para transmisso vertical (maternos, relacionados com o parto e neonatais), profilaxia efetuada (gravidez,
parto e perodo neonatal), evoluo clnica e analtica e estado
de infeo.
Os testes virolgicos foram todos realizados por biologia
molecular atravs de tcnica de polimerase chain reaction (PCR)
de ADN. As crianas foram classificadas como no infetadas
na presena de dois testes virolgicos negativos (um depois de
um ms e outro depois dos quatro meses de vida) na ausncia
de clnica e de alteraes imunolgicas. Foram consideradas
alteraes hematolgicas valores diminudos de hemoglobina,
leuccitos e/ou plaquetas e alteraes da funo heptica valores aumentados da alanina-aminotransferase.
Os resultados so apresentados como mdia e mediana
para as variveis quantitativas e como percentagens para as
variveis categricas. Foi avaliado o motivo pelo qual foi efetuada profilaxia com trs frmacos atravs da comparao dos
RN que efetuaram esse esquema com os que realizaram apenas
AZT. Foi efetuada comparao entre os RN que apresentavam
alteraes hematolgicas e / ou hepticas com aqueles que no
apresentavam para avaliar a existncia de relao entre essas
alteraes e o tipo de profilaxia realizada. Na anlise comparativa foi utilizado o Teste Fisher e foram considerados estatisticamente significativos os valores de p inferiores a 0,05. Os dados
obtidos foram submetidos a anlise estatstica com o programa
Epi-Info v.3.5.1.
RESULTADOS
Durante o perodo avaliado no estudo nasceram 77 crianas
com risco de TMF da infeo VIH1. As caractersticas da populao estudada encontram-se resumidas na Tabela 2.
A distribuio foi homognea pelos diferentes anos avaliados, tendo ocorrido uma prevalncia mdia de 3,9 grvidas
infetadas em cada mil. A idade materna mediana na altura do
parto foi de 30 anos (mnimo 19; mximo 44) e a maioria (55
72,4%) apresentava como principal fator de risco para aquisio
da infeo VIH o risco sexual, com um quarto dos casos (19 25%) a estarem relacionados com toxicodependncia. Mais de
metade das mes j tinha filhos (46 60,5%), a maioria deles
no infetados (37 80,4%). Em 10 casos (13,2%) a gestao foi
definida como mal vigiada e em cerca de um tero (23 - 30,3%)
ocorreram complicaes durante a gravidez (a maioria destas
11 com consumo de estupefacientes).
A maioria dos RN era do sexo masculino (45 58,4%), com
uma gestao gemelar e 15 (19,5%) prematuros. A idade gestacional mediana na altura do parto foi 38 semanas (S) (mnimo:
24S; mximo: 41S). Cerca de um tero (26 33,8%) apresentaram baixo peso ao nascer (mediana do peso de 2750 g - mnimo:
680g; mximo: 3890 g).
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10 (13,2%)
23 (30,3%)
53 (69,7%)
1 (1,3%)
45 (58,4%)
15 (19,5%)
5 (6,5%)
10 (13%)
62 (80,5%)
3 (3,9%)
23 (29,9%)
51 (66,2%)
6 (7,8%)
24 (31,2%)
9
4
3
1
7
Consumo de estupefacientes (11); Ameaa de Parto Pr-termo (3); Diabetes Gestacional (2); Hiperemese (2;) Restrio Crescimento Intrauterino (1); Hidrmnios (1);
Oligoamnios (1); Outros (2).
1
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8 (10,5%)
23 (30,3%)
8 (10,5%)
7 (9,2%)
69 (90,8%)
31 (45%)
38 (55%)
6 (15,8%)
28 (73,7%)
4 (10,5%)
5 (6,6%)
58 (75,3%)
13 (16,9%)
4 (5,2%)
2 (2,6%)
15 (19,5%)
10 (13%)
7 (9,1%)
15 (19,5%)
0 (0%)
1
Mediana 4 anos (mnimo- 1 ano; mximo- 16 anos); 2 Todos coinfeco pelo Vrus
Hepatite C; 3 Hemorragia (3); Corioamnionite (1); Outros (3). Legenda: VIH Vrus
da Imunodeficincia Humana; SIDA Sndrome de Imunodeficincia Adquirida;
ARV antirretrovirais.
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