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No filme Sebastian, do diretor finlandês queer Mikko Mäkelä (de Amor entre os Juncos), a audiência conhece Max (interpretado por Ruaridh Mollica), um escritor que leva uma vida dupla em Londres. Além de trabalhar em uma revista literária em dificuldades, Max assume a identidade de Sebastian, um profissional do sexo. Nos intervalos de suas atividades diárias, ele se dedica a redigir um romance que acompanha a trajetória de um trabalhador sexual, mesclando sua própria experiência com a ficção. O segredo de sua vida dupla é mantido a sete chaves, e o ofício, inicialmente, parece ser apenas uma forma de alimentar sua imaginação e dar fluidez à narrativa.

À medida que se aventura nessa jornada arriscada, Max encontra diferentes tipos de clientes, desde predadores até homens que buscam uma conexão mais profunda e romântica. Seus motivos, no entanto, são constantemente questionados. O que começa como um recurso para impulsionar sua escrita revela camadas mais complexas: dificuldades financeiras, solidão, desejo por afeto e, talvez, ambições sexuais pessoais. Não há uma resposta definitiva, e o diretor Mikko Mäkelä não parece preocupado em oferecer uma justificativa. Ao longo da história, Max ganha reconhecimento por sua habilidade literária.

Durante a última edição do Festival de Cinema do Rio de Janeiro, Mikko apresentou Sebastian e conversou com a GQ Brasil sobre a criação do filme, além de abordar o tratamento de um tema contemporâneo ainda visto como tabu. Confira a entrevista completa a seguir.

Mikko, muito obrigado. Gostaria de começar perguntando o que te inspirou a explorar temas de identidade e autodescoberta através da vida dupla de Max como escritor e trabalhador do sexo?

Tudo começou com o desejo de fazer um filme sobre um trabalhador sexual, refletindo a forma como vi muitos jovens gays em Londres abordarem isso. Mesmo antes de plataformas como o OnlyFans, o trabalho sexual estava se tornando mais comum, especialmente entre estudantes, artistas e pessoas com outros trabalhos. Eu queria vê-lo como apenas mais um trabalho na economia — sem glamurizar ou ignorar seus perigos, mas apresentando-o como uma escolha válida. Também queria explorar a narrativa em si. Eu me perguntei se precisamos de experiência vivida para escrever sobre algo. Hoje, há tanto foco em histórias autobiográficas, então fiquei interessado em explorar essa ideia.

Qual é a sua opinião sobre isso após terminar o filme? Você acha que é possível retratar uma história honestamente mesmo que você não tenha vivido aquela experiência?

Acho que é uma espécie de faca de dois gumes, e é um debate que provavelmente continuará para sempre quando se trata de contar histórias. Muito do poder da narrativa vem de sua natureza imaginativa e empática—nossa capacidade de imaginar a vida de outras pessoas e nos conectar a elas.

Há tantas histórias que não seriam contadas se fôssemos limitados a escrever apenas sobre nós mesmos. Ficaríamos em uma situação em que todos só fariam documentários sobre suas próprias vidas. Mas acho que, especialmente ao representar grupos marginalizados, como contar histórias queer, existe uma responsabilidade que todo contador de histórias deve considerar—garantir uma representação autêntica. É importante que a representação seja respeitosa e baseada em um entendimento mais profundo do tema ou das pessoas que estão sendo retratadas.

Fiquei interessando em saber como foi o trabalho com o ator Ruaridh Mollica na busca de retratar a complexidade da experiência de Max?

Tivemos uma colaboração profunda e produtiva. Eu já havia convivido com o roteiro por muito tempo, e as pessoas estavam trabalhando nele há alguns anos.

Passamos por um extenso processo de ensaio, onde analisamos cada cena e cada momento em detalhes, discutindo tudo. Queríamos garantir que estávamos de acordo sobre as emoções e motivações. Sou alguém que gosta de continuar explorando as performances, e como venho da área de edição - e também fiz parte da edição deste filme -, gosto de fazer várias tomadas. Isso nos permite tentar diferentes abordagens nas performances para ter opções na sala de edição.

Mollica estava muito disposto a experimentar essas diferentes tomadas e explorar pequenas variações na atuação. Ele é um ator extremamente preciso, e era importante ter alguém capaz de transmitir a vida interior de Max com gestos mínimos e sutis. Temos muitos momentos no filme em que Max está sozinho, seja no quarto, durante o trajeto, ou apenas existindo, e esses pequenos detalhes eram cruciais para a narrativa.

Você tem uma parte favorita do filme?

Há algumas cenas que eu adoro. Uma que se destaca é com o editor, depois que Max apresenta os novos capítulos sobre Nicholas. Os níveis de ironia nessa cena são ótimos—quando o editor diz que não parecia real, mesmo sabendo que Max sabe que, na verdade, é.

(Na trama, Max atende Nicholas, vivido por Jonathan Hyde, um homem mais velho e extremamente bem-sucedido no mundo literário, representando muito do que Max almeja alcançar em sua própria carreira. Apesar da natureza comercial do encontro, os dois acabam desenvolvendo uma relação honesta e profunda, marcada por uma conexão que vai além da simples troca entre cliente e profissional)

Cena do filme 'Sebastian' — Foto: Divulgação
Cena do filme 'Sebastian' — Foto: Divulgação

Qual foi o maior desafio durante as filmagens?

Acho que foi... bom, foi uma co-produção em que tivemos filmagens internas tanto em Londres quanto em Bruxelas. Então, viajar muito durante as filmagens foi, sem dúvida, um desafio. Acho que no final fomos bem-sucedidos, mas a história tem uma grande amplitude, no sentido de que, ao fazer um filme sobre uma vida dupla, só me dei conta durante a pré-produção que isso significa quase o dobro do número usual de locações e personagens.

Havia muitos papéis para escalar, e o processo de audição demorou um pouco para encontrarmos os atores perfeitos para cada papel. Além disso, levou muito tempo para encontrar tantas locações. Acho que o maior desafio foi a escala do filme, especialmente em comparação ao meu primeiro filme, que era muito mais contido e íntimo nesse sentido. Mas eu queria realmente contar essa história em uma grande tela e explorar todos os diferentes aspectos da vida de Max, incluindo os personagens secundários e os diversos cenários.

Que precauções você tomou ao filmar as cenas de sexo?

Tivemos um coordenador de intimidade e, claro, mantínhamos o set fechado nos dias em que filmávamos essas cenas. Desde o início, deixei claro para todos os membros do elenco que estavam fazendo audição ou para qualquer outro colaborador que estivesse em discussões preliminares sobre o projeto que eu queria abordar as cenas de forma muito positiva em relação ao sexo. Não queria que ninguém se sentisse desconfortável ou com medo de abordar essas cenas. Fomos muito francos e honestos sobre tudo.

Ter o coordenador de intimidade foi extremamente útil para criar esse ambiente. Através de exercícios e discussões com os atores, conseguimos construir rapidamente um nível de confiança entre os membros do elenco.

Isso foi particularmente importante porque havia vários personagens menores com cenas de sexo que podiam estar no set por apenas um ou dois dias. A capacidade do coordenador de intimidade de estabelecer essa confiança de forma rápida foi essencial para manter a produção dentro do cronograma e permitir que nos concentrássemos em elaborar as cenas com cuidado.

O que você vê como as verdadeiras intenções por trás das ações e escolhas de Max?

É uma busca, de certa forma. É interessante porque acho que retrata um jovem muito em processo de descoberta de si mesmo, buscando seu senso de identidade e tentando entender o que quer na vida e quem realmente é. Não acho que ele esteja totalmente consciente disso no começo. Ele definitivamente sabe que quer criar—quer escrever um excelente romance, explorar algo desconhecido para ele e talvez para a sociedade em geral. Ele quer criar um trabalho que perdure, mas também está atraído a explorar experiências tratadas como tabus. Através de seu projeto artístico, ele se dá permissão para fazer algo que talvez não tivesse coragem de perseguir na vida cotidiana. Então, é realmente sobre essa jornada de autodescoberta.

O que você acha que o sexo representa para Max ou para a comunidade queer em geral?

Acho que o sexo é algo muito inato. Mas também é um modo de comunicação, uma forma de conexão. O filme, em um nível subconsciente, é sobre alguém que, na vida cotidiana, é bastante reservado e emocionalmente fechado. Ele tem amigos, mas passa muito tempo sozinho e não é muito aberto em seus relacionamentos. Para ele, o sexo representa uma maneira diferente de se conectar e se comunicar com o mundo. Isso o permite sentir-se conectado às pessoas de uma forma que ele talvez não consiga fora desses encontros. E eu acho que para muitas pessoas queer, se você pensar em como os homens se conectaram historicamente, muitas introduções aconteceram através de sexo quase anônimo. Então, é claro, o sexo se torna um modo importante de conexão e comunicação.

Para você, era importante não incluir um final trágico nesta história?

Muito importante. Foi interessante para mim porque, como alguém cujo instinto como cineasta muitas vezes tende a finais menos felizes, criar um tipo de final mais feliz foi, de certa forma, uma negociação comigo mesmo. Mas senti que era realmente importante mostrar não apenas Max ganhando esse nível de segurança consigo mesmo e encontrando autoconhecimento, mas também continuando seu trabalho sexual e se sentindo autorizado a fazer isso. Eu realmente não queria criar uma história em que alguém precisa ser "salvo" do trabalho sexual, como se não fosse uma escolha válida. As pessoas podem ser felizes ou se sentir empoderadas fazendo trabalho sexual. Então, sim, sempre foi importante evitar um final trágico.

Uma última pergunta—você fez alguma pesquisa específica ou entrevistas para ajudar a escrever o roteiro de forma precisa?

Sim, tive muitas discussões. E também estudei diversos sites. Observei como as pessoas se comunicam, como escrevem sobre si mesmas, como se apresentam e fazem sua publicidade—achei isso realmente interessante. Foi uma maneira intrigante de olhar para a psicologia de alguém.

Sebastian
Dirigido por Mikko Mäkelä
Reino Unido, Finlândia
110 minutos ‧ 2024

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