Ministros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediram nesta terça-feira (10) mais tempo para decidir sobre a eventual retomada das obras da usina de Angra 3, expressando preocupação com o impacto dos investimentos para as contas públicas e com o modelo de governança ligado ao empreendimento.
O Ministério de Minas e Energia tinha elaborado e proposto uma resolução para autorizar a Eletronuclear (de União e Eletrobras) a retomar a implantação da usina nuclear de Angra 3 e a explorá-la posteriormente.
O documento foi discutido em reunião do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), formado por 17 ministros e presidido por Alexandre Silveira (Minas e Energia). Na pauta do colegiado também estava uma resolução com aval ao preço da energia elétrica previsto na celebração do contrato de energia da usina.
Silveira colocou o tema em votação, recomendando a aprovação. Mas não houve consenso e duas condicionantes foram aprovadas na reunião.
A primeira é que a Casa Civil apresente um modelo melhor para governança da Eletronuclear (uma empresa cujos acionistas são União e Eletrobras).
A segunda é a elaboração de estudos de possíveis outras fontes de financiamento, que não o Orçamento federal, a serem apresentados pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento e pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Durante a reunião, Silveira ainda pediu para que seja adiado o vencimento de uma parcela a ser paga pela Eletronuclear a Caixa e BNDES. O Ministério da Fazenda ficou encarregado de analisar a situação.
Com isso, a expectativa entre fontes do governo é que Angra 3 volte a ser alvo de deliberação em janeiro. Também devem ficar para o mês que vem as discussões sobre o nível de Belo Monte.
A construção da usina, em Angra dos Reis (RJ), começou em 1984 e foi interrompida duas vezes. A paralisação mais recente ocorreu em 2015, em meio às investigações feitas pela Lava Jato.
De acordo com a Eletronuclear, as obras foram afetadas por falta de recursos e pelas irregularidades apontadas no processo de licitação que definiu as empresas que fariam a montagem eletromecânica. O contrato com o consórcio formado para execução dos serviços foi suspenso, assim como o contrato para as obras civis. Em 2017, os contratos para a montagem eletromecânica foram anulados.
Como mostrou a Folha, o governo já elaborou uma estratégia de comunicação com uma ampla justificativa para a retomada multibilionária das obras. Para defender a retomada de Angra 3, foram listadas mais de dez justificativas —como a descarbonização do setor elétrico, a segurança energética e a geração de empregos.
A projeção do governo é que, no auge das obras, Angra 3 vai gerar quase 10 mil empregos diretos. A gestão Lula também afirma que os investimentos movimentarão um setor com índice de nacionalização superior a 65%, o que traria efeitos multiplicadores na economia nacional.
Segundo estudo do BNDES, o valor para abandonar as obras é próximo ao de finalizá-las. De acordo com a instituição, o custo para desistir do empreendimento pode passar de R$ 21 bilhões, enquanto o de concluir a construção da usina nuclear é avaliado em torno de R$ 23 bilhões.
No custo de desistir da obra, estão computados R$ 9,2 bilhões para quitar financiamentos já existentes com a Caixa e o BNDES, incluindo multas e penalidades decorrentes da não conclusão da obra, R$ 2,5 bilhões para a rescisão de contratos firmados e suas respectivas penalidades, R$ 1,1 bilhão para a devolução de incentivos fiscais recebidos na importação e aquisição de equipamentos, R$ 940 milhões em desmobilização da obras já realizada e R$ 7,3 bilhões de custo de oportunidade de capital investido.
A Eletronuclear afirma que a isso se somaria a perda de quase R$ 12 bilhões já investidos na construção.
Como a União é acionista da empresa responsável pelo empreedimento (a estatal federal ENBPar tem 64% da empresa, enquanto a privatizada Eletrobras tem 36%), o Tesouro Nacional deve ser chamado a fazer aportes correspondentes a uma fração do investimento previsto. O restante dos recursos viria por meio de financiamentos.
De acordo com o banco, a tarifa necessária para cobrir o investimento é de R$ 653,31 por MWh (megawatt-hora). Segundo a Eletronuclear, este valor é inferior à média das térmicas do Sudeste, de R$ 665.
Conforme mostrou a Folha, quanto levam os acionistas (União e Eletrobras) é o item que mais pesa na definição da tarifa de Angra 3. A depender da alteração nos valores, o preço da energia pago pelos consumidores teria queda significativa. Poderia baixar para R$ 596 ou R$ 549, indo até R$ 251 ao longo dos 24 anos finais da operação da usina.
Além do preço, a discussão sobre retomar Angra 3 é permeada pela incerteza sobre o futuro da participação da Eletrobras, que hoje precisa aportar investimentos nas obras —mas negocia com o governo para se livrar da obrigação.
Os investimentos em Angra 3 foram uma espécie de herança não desejada pela Eletrobras após a privatização da empresa, em 2022. Naquele ano, para viabilizar a venda da companhia, o controle da Eletronuclear foi transferido para a estatal ENBPar (Empresa Nacional de Participações em Energia Nuclear e Binacional) para manter os ativos de energia nuclear sob a União, conforme determina a Constituição.
A negociação com a Eletrobras vem sendo conduzida sob coordenação do ministro do STF Kassio Nunes Marques. Neste mês, a empresa afirmou que as negociações incluem a busca de um novo acionista que fique com a fatia da companhia em Angra 3.
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