“PL DAS FAKE NEWS” - PROJETO DE LEI – 2630/2020 - Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet
Está em discussão, no Parlamento brasileiro, o PL 2630/2020, também conhecido como “PL das Fake News”, que foi apresentado pelo Senador Alessandro Vieira do partido Cidadania-SE.
Enquanto os deputados votam o presente projeto, este suscitou enorme debate na sociedade civil, por envolver temas de relacionados a conteúdos da mídia digital, redes sociais, moderação de conteúdo, criação de Conselho para definir normas de autorregulação, entre outros controversos.
De um lado, liberais e as “grandes big techs” apontam para uma possível censura por parte do governo em relação à liberdade de expressão, manifestação do pensamento, de imprensa. Vale lembrar que a censura prévia é proibida no ordenamento jurídico nacional.
De outro lado, há quem defenda que o projeto de lei, em verdade, regula os conteúdos publicados na internet, não constituindo censura, uma vez que pretende evitar a veiculação e propagação de notícias falsas, e, assim, contribuindo para evitar a desinformação.
Analisando o texto de lei, percebe-se a preocupação em regular o setor, especificamente as redes sociais nacionais e sediadas no exterior que possuam mais de dois milhões de usuários (art. 1º, § 1.º) .
Num primeiro momento, a partir de uma visão cautelar, o projeto coloca alguns princípios (v.g. I – liberdade de expressão e de imprensa; II – garantia dos direitos de personalidade, da dignidade, da honra e da privacidade do indivíduo; III – respeito ao usuário em sua livre formação de preferências políticas e de uma visão de mundo pessoal; IV – responsabilidade compartilhada pela preservação de uma esfera pública, livre, plural, diversa e democrática; entre outros) e regras para organizar e pautar a atuação na internet.
Nesse sentido, o PL coloca como objetivos (art. 4.º): I – o fortalecimento do processo democrático por meio do combate ao comportamento inautêntico e às redes de distribuição artificial de conteúdo e do fomento ao acesso à diversidade de informações na internet no Brasil; II – a defesa da liberdade de expressão e o impedimento da censura no ambiente online; III – a busca por maior transparência das práticas de moderação de conteúdos postados por terceiros em redes sociais, com a garantia do contraditório e da ampla defesa; e IV – a adoção de mecanismos e ferramentas de informação sobre conteúdos impulsionados e publicitários disponibilizados para o usuário.
Para alcançar tais objetivos, os provedores de internet devem dotar medidas para (art. 6.º): I – vedar o funcionamento de contas inautênticas; II – vedar contas automatizadas não identificadas como tal, entendidas como aquelas cujo caráter automatizado não foi comunicado ao provedor de aplicação e, publicamente, aos usuários; e III – identificar todos os conteúdos impulsionados e publicitários cuja distribuição tenha sido realizada mediante pagamento ao provedor de redes sociais.
Chama a atenção também a regulação dos serviços de mensageria privada, tais como os famosos Whatsapp e Telegram, os quais devem (art. 9.º) estabelecer políticas de uso destinadas a: I – projetar suas plataformas para manterem a natureza interpessoal do serviço; II – limitar o número de encaminhamentos de uma mesma mensagem a usuários ou grupos, bem como o número máximo de membros por grupo; III – instituir mecanismo para aferir consentimento prévio do usuário para inclusão em grupos de mensagens, listas de transmissão ou mecanismos equivalentes de encaminhamento de mensagens para múltiplos destinatários; e IV – desabilitar, por padrão, a autorização para inclusão em grupos e em listas de transmissão ou mecanismos equivalentes de encaminhamento de mensagens para múltiplos destinatários.
Uma parte do projeto que gera debates diz respeito à moderação de conteúdo. Vejamos.
Art. 12, § 2º Os provedores dispensarão a notificação aos usuários se verificarem risco: I – de dano imediato de difícil reparação; II – para a segurança da informação ou do usuário; III – de violação a direitos de crianças e adolescentes; IV – de crimes tipificados na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989; V – de grave comprometimento da usabilidade, integridade ou estabilidade da aplicação.
Ora, as expressões “dano imediato de difícil reparação” e “segurança da informação e do usuário” indicam uma conotação muito ampla, cabendo uma exegese extremamente aberta, dando demasiado poder ao provedor sem estabelecer balizas claras a respeito dessa notificação. O inciso V também se revela amplo, com potencial abertura e poder demasiado aos provedores.
Porém, é garantido ao usuário se defender durante esse procedimento contra a notificação do provedor, bem como assegurar ao ofendido o direito de resposta na mesma medida e alcance do conteúdo considerado inadequado (§§ 3.º e 6º do art. 12).
Vemos igualmente a interessante iniciativa de colocar regras às contas oficiais de redes sociais da Administração Pública, adequando seu uso aos princípios constitucionais da Administração Pública, tais como a moralidade, eficiência, impessoalidade etc.[1]
Fato controverso é a previsão da criação de um órgão pelo Congresso Nacional, que instituirá, em até 60 (sessenta) dias contados da publicação desta Lei, em ato próprio, conselho que terá como atribuição a realização de estudos, pareceres e recomendações sobre liberdade, responsabilidade e transparência na internet (art. 25). Entre outras coisas, compete a este conselho, por exemplo, elaborar código de conduta para redes sociais e serviços de mensageria privada, a ser avaliado e aprovado pelo Congresso Nacional, aplicável para a garantia dos princípios e objetivos estabelecidos nos arts. 3º e 4º desta Lei, dispondo sobre fenômenos relevantes no uso de plataformas por terceiros, incluindo, no mínimo, desinformação, discurso de incitação à violência, ataques à honra e intimidação vexatória (inciso II).
Vê-se claramente uma intervenção potencialmente lesiva à liberdade dos provedores, uma vez que estes terão seus códigos de conduta e suas políticas de uso reguladas e avaliadas por este órgão. Isso pode gerar dificuldades de operacionalização das redes sociais e dos serviços de mensageria privada, embora a composição desse conselho também preveja a sua integração por representantes das empresas de tecnologia e telefonia.
Além disso, também salta aos olhos a possibilidade de os provedores terem atribuições extremamente amplas, tais como (art. 30): I – criar e administrar plataforma digital voltada à transparência e à responsabilidade no uso da internet, que contenha regras e procedimentos para decidir sobre a adoção de medida informativa, atendendo ao disposto nesta Lei. Especialmente gravosa pode ser a seguinte atribuição: VI – desenvolver, em articulação com as empresas de telefonia móvel, boas práticas para suspensão das contas de usuários cuja autenticidade for questionada ou cuja inautenticidade for estabelecida.
Enfim, a temática é atual e suscita debates importantes para a utilização de redes sociais e aplicativos de comunicação instantânea na internet. Vários deputados, inclusive, já pediram a tramitação conjunta com outros projetos de lei, voltados a regular o setor de tecnologia e internet. Além disso, estão ocorrendo diversas manifestações legítimas sobre a possibilidade do Estado intervir neste serviço privado, além de um possível cerceamento de liberdades.
Na era da informação digital, é sempre prudente analisar a veracidade dos conteúdos, diante de tantas narrativas que se criam a respeito de fatos verdadeiros ou inverídicos. Se de um lado, o usuário pode ser mal informado e repassar “fake News”, de outro lado deixar essa verificação nas mãos do Estado ou de provedores pode ocasionar uma censura “oficial” e “institucionalizada” a determinados conteúdos que não necessariamente tenham viés informativo, mas sim opinativo.
A questão que se coloca é: quais serão os critérios objetivos para se evitar isso?
Caso queira consultar a íntegra do projeto: clique no link abaixo
[1] Art. 18. São consideradas de interesse público, submetendo-se aos princípios da Administração Pública, as contas de redes sociais utilizadas por entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, e dos agentes políticos cuja competência advém da própria Constituição, especialmente: I – os detentores de mandatos eletivos dos Poderes Executivo e Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II – os ocupantes, no Poder Executivo, dos cargos de: a) Ministro de Estado, Secretário de Estado, Secretário Municipal ou equiparados; e b) Presidente, Vice-Presidente e Diretor das entidades da Administração Pública indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; III – Presidente, Vice-Presidente e Conselheiro do Tribunal de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. § 1º As contas de que trata o caput não poderão restringir o acesso de outras contas às suas publicações. § 2º Caso possua mais de uma conta em uma plataforma, o agente político indicará aquela que representa oficialmente seu mandato ou cargo, sendo as demais eximidas das obrigações deste artigo.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência