Medo e proximidade: duas qualidades para se manter inovador
Enquanto eu me preparava para escrever este artigo, mil coisas passavam pela minha cabeça sobre o que falar. Parte de mim pensava ser impossível – quase irresponsável – falar sobre qualquer coisa que não fosse a COVID-19, pois estamos passando por um momento inédito e que mudará nossas vidas pra sempre. Outra parte, entretanto, pensava que o tema já está praticamente saturado, pois todo mundo já está fazendo suas previsões.
E me lembrei, então, de uma conversa que tive com o fundador de uma startup da qual sou mentora. Ele me fez uma pergunta muito simples: “Pat, ficamos todos assistindo a China. Como é possível que ninguém tenha previsto isso?”
Fiquei sem saber o que responder. Me senti uma idiota quando lembrei de mim lendo notícias sobre a situação na China em janeiro e pensando em como as coisas deviam estar difíceis pra eles, sem em nenhum momento sequer me conectar com aquela realidade a ponto de pensar que ela estaria aqui. E era tão óbvio que ela estaria aqui!
Proximidade e medo
Os Estados Unidos receberam, em média, 40 vôos diários diretos da China entre 31 de dezembro (data em que a China divulgou a gravidade do vírus) e 2 de fevereiro, quando o presidente Trump determinou o “fechamento” das fronteiras com o gigante asiático, segundo o jornal The New York Times. Duas palavras então vieram à minha cabeça: proximidade e medo. Explico.
Por proximidade, entendo ser a real conexão entre uma pessoa e uma realidade. Como Bryan Stevenson, professor americano de Direito e ativista de direitos humanos, diz: “Proximity changes everything”. O que ele quis dizer é que se você não se aproximar de alguém ou de algum contexto, você nunca conseguirá entendê-lo plenamente – aliás, sequer conseguirá entender de forma suficiente para poder respeitá-lo.
No meu caso, por mais que eu estivesse lendo sobre a China, não consegui me conectar com essa realidade. Nunca estive lá, não tinha nenhum amigo lá (os dois que conhecia haviam voltado pro Brasil há pouco mais de um ano) e por isso não consegui entender de verdade o que estava acontecendo. Depois, fiquei sabendo de pessoas com operações comerciais ou parentes na China que já estavam tentando alertar governos e empresas desde o fim de janeiro. Para essas pessoas, a proximidade com o que estava acontecendo na China deixou clara a necessidade de medidas preventivas de controle e isolamento social. Para outros, elas eram paranóicas.
Relação próxima para ser inovador
Fazendo uma analogia com o mundo de startups, é essa proximidade que os investidores esperam das empresas com relação a seus mercados.
Como pode um empreendedor inovador pensar na melhor solução para um determinado problema se ele não se aproximar de verdade daquela situação, vivendo isso diariamente? É inevitável que ele crie soluções superficiais ou inadequadas, pois, ao desconhecer a realidade, estará minimizando o problema do outro.
“Por isso, é tão importante para investidores entender o histórico e a relação de um empreendedor com o problema que sua startup está resolvendo. Nenhum MBA substitui a experiência no front”
Medo não precisa ser explicado. Todos nós sentimos e sabemos o que é. O que talvez não levemos tanto em conta são as diferentes reações que podemos ter diante dele. Algumas pessoas se escondem e não conseguem agir. Outras se defendem atacando a fonte do que causou esse medo. Muitas se tornam arrogantes e tentam minimizar o problema. E outras tantas buscam entender a fonte do seu medo para identificar oportunidades de agir. De todas essas possibilidades, a mais saudável (e difícil) é a última.
Necessidade de planejamento
Foi uma atitude como essa, combinada a uma visão de futuro única, que fez a Netflix desenvolver e investir em seu serviço de streaming – algo que poderia “matar” seu negócio atual e reduzir muito suas margens – enquanto a Blockbuster adotou um misto de todas as outras três.
Infelizmente a maioria dos governos e empresas, diante do medo do desconhecido do vírus e de seus possíveis impactos, acabaram tomando atitudes no estilo Blockbuster, minimizando o problema que estava por vir no início para depois tomar medidas desesperadas e muitas vezes desencontradas. Com isso, causaram um impacto talvez muito maior do que se tivessem realmente olhado pro problema e se planejado minimamente para os possíveis cenários que estavam por vir.
Nesse contexto, muitas startups também não se aproveitaram do fato de serem mais ágeis – com menos passivos para administrar – para assumir o papel mais inovador e ousado da Netflix, e estão passando por dificuldades. As que souberam lidar com o medo e agiram com coragem estão crescendo ou ao menos se mantendo, ainda que isso signifique mudar totalmente seu negócio – não sem medo, e sim usando-o como combustível para arriscar coisas novas.
Minha conclusão é que muito do cenário que se desenhou com a COVID-19 em países como Brasil e Estados Unidos é consequência da combinação da (ausência de) proximidade e do medo do desconhecido e de tomar decisões mais radicais diante disso.
Espero que, ao menos, saíamos dessta muito mais fortes e com as lições de que precisamos estar realmente mais próximos de outras realidades – nos perguntando se realmente sabemos o que está acontecendo – e de que precisamos aprender a encarar nosso medo de uma forma mais construtiva, buscando olhar o problema sem arrogância nem paralisia.
Ver artigo original em https://www.whow.com.br/mentes-brilhantes/patricia-osorio/medo-proximidade-qualidades-manter-inovador/
Chief Marketing Officer | Product MVP Expert | Cyber Security Enthusiast | @ GITEX DUBAI in October
2 aPatrícia, thanks for sharing!
Vice President Global Marketing H&W
4 aMuito boa reflexão, Paty. Eu me faço a mesma pergunta. Nós sabíamos, nós fazíamos reunião com as equipes na Ásia, nós não tivemos empatia o suficiente. Como você coloca tão bem, a falta da proximidade com nossos semelhantes, nos causou um prejuízo incalculável, de perdas irreparáveis. Os presidentes das grandes potências também foram brifados pelos seus serviços de inteligência. Mas preferiram negligenciar a ameaça que hoje, tira todos os nossos conhecidos e ameaça a Economia Mundial. Liderar é planejar, é antecipar e prevenir. Tivéssemos nós nos antecipado, essa situação não teria nos punido de forma tão dura. Fica o aprendizado. Com mais empatia pelos nossos semelhantes chineses, teríamos tido tempo para tomar medidas de contenção.