FACEBOOK: É POSSÍVEL LIMITAR A LIBERDADE DE EXPRESSÃO?
Recentemente, nos Estados Unidos da América, o Facebook censurou algumas publicações feitas por usuários e acabou questionado sobre estar (ou não) limitado de maneira irregular a liberdade de expressão de seus respectivos autores. No começo do ano, a rede social apagou uma postagem feita por artista italiana que trazia a imagem de uma estátua nua, pois a nudez seria inaceitável. Em outra ocorrência, páginas de organizações com viés conservador – grupos contra o aborto, por exemplo – foram censuradas e tiradas do ar. Além disso, páginas de defensores do partido republicano norte-americano também acabaram vetadas, pois, em tese, estariam incentivando discursos de ódio – o que colocaria em risco a segurança nacional.
No último dia 10 de abril, o CEO do Facebook Mark Zuckerber foi convocado ao Congresso norte-americano para responder perguntas sobre o compartilhamento de dados de 87 (oitenta e sete) milhões de usuários da plataforma com uma empresa de consultoria política inglesa. Ao longo da sessão, ele foi perguntado pelo Senador Republicano Ted Cruz sobre possível viés ideológico da rede social, bem como sobre a prática de censura em relação a conteúdos mais conservadores feitos por seus usuários. Em resposta, disse Zuckerber: "Eu entendo que essa preocupação vem do fato do Facebook e a indústria de tecnologia estarem no Vale do Silício, onde há muita tendência para a esquerda. É uma preocupação que eu tenho, me certificar que não temos nenhum viés no nosso trabalho. Queremos fazer uma plataforma para todas as ideias". Assim, negou a ocorrência de uma política deliberada de censura pelo Facebook.
É possível que redes sociais censurem o conteúdo de suas postagens? Pode a liberdade de expressão ser mitigada em favor da segurança nacional, da paz social ou da moral e bons costumes, por exemplo? Por tratar-se de um ambiente privado, isso altera o direito de uma pessoa de se manifestar? Afinal, qual a extensão da nossa liberdade de expressão?
O debate sobre o tema é complexo, vejamos:
Atualmente, podemos dizer que no Brasil vigora um regime democrático no qual são assegurados aos cidadãos uma série de direitos e garantias, dentre eles a liberdade de expressão. No entanto, nem sempre a realidade foi assim.
No Estado Novo e na ditadura de Getúlio Vargas, por exemplo, os direitos e garantias individuais foram fortemente restringidos e a imprensa deixou de ser livre. A Constituição Federal de 1937 previa em seu artigo 122 (15): (i) a censura prévia da imprensa, teatro, cinema e radiodifusão; (ii) a função de caráter público da imprensa; e (iii) a obrigatoriedade de inserção de comunicados do Governo em qualquer jornal.
Na sequência, as Constituição Federais de 1946 e de 1967 ainda mantiveram restrições à liberdade de expressão. A partir de 1964 é importante notar que se iniciou no Brasil a Ditadura Militar, marcada por um regime extremamente autoritário e intolerante com relação às manifestações de pensamentos contrárias aos ideais defendidos pelo governo.
Nesse período a regra era a censura e não a liberdade de manifestação. Diversas músicas, poemas, peças de teatro e matérias jornalísticas eram proibidas pelas autoridades públicas. Não era raro, por exemplo, que notícias fossem divulgadas com tarjas pretas cobrindo o conteúdo censurado ou que espetáculos de teatro fossem cancelados após a primeira exibição.
Finalmente, em 1985, após uma mobilização social enorme que clamava pelo fim do regime de exceção e dos abusos estatais, Tancredo Neves foi eleito presidente, encerrando um período de 21 (vinte e um) anos de regime militar brasileiro. Em 1987, então, cumprindo-se promessa feita ao longo da campanha presidencial, foi instalada uma Assembleia Constituinte, ou seja, uma comissão de juristas encarregada de elaborar um novo texto constitucional para o Brasil apto a garantir que regimes autoritários e/ou ditatoriais não voltassem a assombrar o nosso país.
Foi assim que, em 1988, foi promulgada a nossa atual Constituição Federal. A nova constituição já em seu artigo 1º, deixou claro que o Brasil “constitui-se em Estado Democrático de Direito” e tem como fundamento, dentre outros, “a dignidade da pessoa humana”. Além disso, a Magna Carta reconheceu os direitos fundamentais – direitos de liberdade, de participação política e direitos sociais. Por conta disso, foi apelidada de “Constituição Cidadã”.
O artigo 5º da constituição inicia dizendo que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. E, na sequência, lista nada menos do que 78 garantias direitos/garantias individuais.
Dentre eles, tendo em vista a herança da censura que vigorou no Brasil nos regimes de exceção anteriores, dedicou-se uma atenção especial à garantia da liberdade de pensamento, expressão e/ou manifestação. O inciso IV do mesmo artigo afirma que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, por sua vez, o inciso IX garante ser “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Ou seja, a regra que um dia foi a censura, nos termos da nova Constituição Federal, virou a liberdade. A pergunta que surge, então, é: essa nova regra é absoluta ou pode ser suprimida? Há alguma situação – como no caso do Facebook apontado acima – na qual pode-se restringir a nossa tão aclamada liberdade de expressão?
A resposta para essa pergunta não é unanime e muitas vezes gera conflitos que somente podem ser resolvidos pelo Poder Judiciário, o qual, diante do caso concreto, decide o que deve prevalecer.
Isso porque, como dito, o artigo 5º da Constituição Federal trata de outros direitos fundamentais do cidadão que em vezes podem colidir com a liberdade de expressão: direito à vida privada, à imagem e à honra das pessoas. Além disso, questões ligadas à segurança e à ordem pública às vezes podem ser abaladas pela livre manifestação do pensamento de outrem. Pensem em hipóteses nas quais, por exemplo: (i) um autor publique textos incentivando a violência religiosa ou o terrorismo; (ii) músicas contenham trechos racistas ou que estimulem abusos sexuais contra mulheres; (iii) jornalistas publiquem matérias imputando crimes ou difamando alguém sem fundamentos; (iv) terceiros divulguem fotos ou vídeos íntimos de um conhecido sem autorização. O que deve ser priorizado: (i) a liberdade de expressão/pensamento do autor, do músico, do jornalista, dentre outros; ou (ii) a segurança pública e nacional, o combate à criminalidade, às desigualdades e ao racismo, bem como a honra e a intimidade daqueles citados no material divulgado?
Nesse conflito entre liberdade de expressão e outros direitos e garantias o que deve se ter em mente é que apesar de fundamentais, as garantias constitucionais nem sempre são absolutas. Aqui, faço remissão ao famoso jargão: “o direito de um termina onde começa o direito de outro”. A regra, portanto, deve ser a prevalência integral dos direitos e garantias fundamentais, especialmente quando questionados em face aos interesses estatais. No entanto, em situações excepcionais de conflito, deve ser utilizada a ideia de proporcionalidade para analisar-se, no caso concreto, qual direito deve prevalecer.
Assim, a liberdade de expressão, apesar de fundamental e importantíssima como meio de garantia e desenvolvimento da nossa democracia, não pode ser utilizada como desculpa para prática de atividades ilícitas – como, por exemplo, incentivo ao terrorismo, aos discursos de ódio, ao racismo e à violência contra à mulher ou como veículo para difamação ou calúnia.
O caso que vemos hoje do Facebook é um exemplo concreto de que a Constituição Federal é agora utilizada para interpretar conflitos que não existiam na época da promulgação de seu texto constitucional: a polêmica sobre a liberdade de expressão nas redes sociais, uma vez que tais plataformas digitais constituem um ambiente privado e contam com as mais diversas manifestações de pessoas que, muitas vezes, escondem-se atrás de perfis falsos. Agora nos restar esperar qual será o posicionamento da Justiça brasileira – e também norte-americana – frente a essa limitação da liberdade de expressão.
Autores: Felipe Costa Rodrigues Neves e Maria Paes Barreto de Araujo